‘Os protestos no século 21′, um texto de Roger Cohen
PUBLICADO NO ESTADÃO DE 26 DE JUNHO
ROGER COHEN*
Os brasileiros têm uma expressão política corriqueira: “Vai acabar em
pizza”. Uma coisa que acaba em pizza é uma coisa que não dá em nada,
nadinha, coisa nenhuma. A expressão é habitualmente usada para a
conclusão previsível de investigações judiciais de crimes do colarinho
branco praticados com impunidade pela gente poderosa do Brasil.
A impunidade é uma
das questões que estão animando os protestos de massa por todo o Brasil,
que começaram com a ira contra a elevação do preço dos transportes. Um
padrão emergiu. De Sidi Bouzid, na Tunísia, onde um bate-boca sobre um
carrinho de frutas desencadeou a Primavera Árabe, a Istambul, onde um
sublevação teve origem nos planos de construir um shopping num parque,
essas erupções animadas por hashtags do Twitter têm traços em comum.
Pequena faísca, grande conflagração; líder desorientado, movimento
sem liderança; poder estatal verticalizado e rígido, protestos
horizontais ágeis; autoridade severa, juventude endiabrada; força do
Estado, flexibilidade do Facebook; repressões policiais, reagrupamentos
ágeis; acusações de conspiração, respostas irônicas.
Basta é basta. Fidel Castro passou anos em Sierra
Maestra preparando sua revolução. O Twitter dispensou isso. Ou não? Uma
questão central desses movimentos movidos a mídia social é, nas palavras
de Zeynep Tufekci, professor da Universidade da Carolina do Norte,
“como se vai de um ‘não’ para um ‘vão’?”
Em outras palavras, as erupções cujo slogan comum poderia ser “basta é
basta!” são boas como protesto e resistência, mas não tão boas para
definir objetivos ─ sejam eles políticos, sociais ou econômicos ─ e se
organizar para alcançá-los.
Sua empolgação é negativa. Elas tendem a fracassar no afirmativo.
Elas não têm líderes. Não há um carro de som. As agendas mais parecem
uma linha de tempo do Twitter ─ fascinante, mas difusa ─ do que
expressões coerentes de um objetivo. Não há um Martin Luther King ou um
Nelson Mandela ─ ou Tancredo Neves e Lula (entre outros) ─ liderando a
luta pela democracia brasileira há três décadas.
Como disse Wael Ghonim, ex-executivo do Google, sobre a revolução
egípcia: “Nossa revolução é como a Wikipédia. Todos contribuem para o
conteúdo, mas você não sabe o nome de ninguém.”
Da Tunísia ao Cairo houve um objetivo nítido: a deposição de um
déspota. Foi só depois que esse objetivo foi concretizado é que a
fraqueza de um movimento sem líderes tornou-se visível e grupos que
alardeavam sua organização preencheram o vazio. Eles não foram capazes,
contudo, de saciar a sede de renovação de suas nações.
Na Turquia, o movimento contra a construção do shopping
transformou-se numa porção de coisas quando a polícia expulsou os
ocupantes do Parque Gezi. Ele passou a ser sobre a guinada autocrática
de um líder conservador no poder há 11 anos, sobre a invasão das vida
privadas pelo Estado, sobre o controle que enfraquece a mídia e a
maneira como o partido governista, o da Justiça e Desenvolvimento (AKP),
vê inimigos por toda parte.
O movimento passou a ser também sobre como a investida do
primeiro-ministro Recep Tayyip Erdogan contra a Turquia secular de
Mustafá Kemal Ataturk errou o alvo: se não havia razão para uma jovem
religiosa não frequentar a universidade usando um véu, não havia razão
para políticos do AKP vociferarem contra muçulmanas de biquíni.
Basta é basta. No Brasil, a ira se volta mais contra toda a classe
política do que contra a presidente Dilma Rousseff. Ela tem a ver com a
maneira como os políticos vivem como mandarins, com privilégios,
escândalos de compra de votos e impunidade. Tem a ver com o desvio de
recursos: mais de US$ 13 bilhões em novos estádios e preparativos para a
Copa de 2014, enquanto necessidades básicas de saúde, educação e
transporte continuam não atendidas. Tem a ver com a violência policial
quando acaba a tolerância com a injustiça.
Mudança no jogo. Esses movimentos irromperam em duas
das principais potências emergentes do século 21, cujas economias vêm
crescendo em ritmo acelerado. Não pensem que isso é coincidência. Turcos
e brasileiros, particularmente os jovens, reagem a um senso de forças
globais além de seu controle; eles estão lembrando os líderes de
consultar e prestar contas e dizendo aos financistas que justiça social
importa.
Quando eles se juntam, afirmam uma humanidade comum contra o
desenvolvimento atomizador e o shopping center globalizado. Será que
conseguirão passar do “não” ao “vão”? Isso demandará uma organização
numa escala jamais vista, decisões sobre objetivos e líderes. Eu não
vejo isso tudo terminando em pizza. De Túnis a Istambul, do Cairo a São
Paulo, alguma coisa está ocorrendo. O medo acabou. Isso já é, em si, uma
mudança do jogo. / TRADUÇÃO DE CELSO PACIORNIK
*ROGER COHEN É COLUNISTA DO JORNAL AMERICANO THE NEW YORK TIMES
ALTERIDADE(latim- Alteritas, Alietas; inglês – otherness; francês -
Altérité; Alemão – Anderheit, Anderssein; italiano – Alterita). Ser
outro, colocar-se ou constituir-se como outro. A alteridade é um
conceito mais restrito que a diversidade e mais extenso que a diferença.
A diversidade pode ser também puramente numérica, não assim a
alteridade(cf. ARISTÓTELES, Met. IV, 9, 1.018 a 12). Por outro lado, a
diferença implica sempre a determinação da diversidade, enquanto a
alteridade não a implica. Aristóteles considerou que a distinção de um
gênero em várias espécies e a diferença dessas espécies na unidade de um
gênero implica uma Alteridade inerente ao próprio gênero: isto é, uma
Alteridade que diferencia o gênero e o torna intrinsecamente
diverso(Met. V, 8, 1.058 a 4 ss). Do conceito de Alteridade valeu-se
Plotino para assinalar a diferença entre a unidade absoluta do primeiro
Princípio e o intelecto, que é a sua primeira emanação: sendo o
intelecto ao mesmo tempo pensante e pensado, intelecto enquanto pensa,
ente enquanto é pensado, é marcado pela Alteridade, além de sê-lo pela
identidade(Emm., V, I, 4). De modo análogo, Hegel utiliza o mesmo
conceito para definir a natureza com relação à Idéia, que é a totalidade
racional da realidade. A natureza é “ a ideia na forma de ser
outro(Anderssein)”.Desse modo, é a negação de si mesma é exterior a si
mesma: de modo que a exterioridade constitui a determinação fundamental
da natureza(Enc. §247). Mas, de modo mais geral, pode-se dizer que,
segundo Hegel, a Alteridade acompanha todo o desenvolvimento dialético
da Ideia, porque é inerente ao momento negativo, intrínseco a esse
desenvolvimento. De fato, tão logo estejam fora do ser indeterminado,
que tem como negação o nada puro, as determinações negativas da Ideia
tornam-se, por sua vez, alguma coisa de determinado, isto é, um “ser
outro” que não aquilo mesmo que negam. “A negação – não mais como o nada
abstrato, mas como um ser determinado e um algo – é somente forma para
esse algo, é um ser outro” (Enc., § 91).
Michaelis Moderno Dicionário da Língua Portuguesa
al.te.ri.da.de
sf (lat alter+dade) Estado ou qualidade do que é outro, distinto, diferente.
(Filosofia) qualidade, condição, estado de ser o outro
(Filosofia) concepção que parte do pressuposto básico de que todo o homem social interage e interdepende de outros indivíduos
al.te.ri.da.de
sf (lat alter+dade) Estado ou qualidade do que é outro, distinto, diferente.
(Filosofia) qualidade, condição, estado de ser o outro
(Filosofia) concepção que parte do pressuposto básico de que todo o homem social interage e interdepende de outros indivíduos
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